Never, never land

Cedo descobri que tem de tudo, aqui. É porque é mato muito selvagem e "Tudo que dizem que existe na mata, se não existe, já existiu", como falou Seu Anito, mateiro de outros matos, no sul da Bahia.

Faz bem escutar os avisos e é aos poucos que se descobre sua utilidade. Conselhos são dados em tom de conversa fiada, quase passam desapercebidos. Ruim para você. É que certas coisas que deixariam qualquer cara-pálida de cabelo em pé são tão corriqueiras para os nativos que não merecem sobressalto. Da parte deles, certamente. "Cuidado com a onça", se cuide. "Nesse rio tem piranha", tem mesmo. "Não entre descalço, vai pisar em arraia", se calce. "Cuidado com abelha", e se cuide, sobretudo neste caso, porque mais que onça, piranha, arraia, jacaré e cobra, são elas as maiores responsáveis por mortes no Pantanal.

O fato é que seguimos vivos. A maioria pelo menos. Em um ano me deparei com alguns desses animais, sei que muitas vezes estiveram próximos sem que eu os visse, e me lembrei de conselhos como relâmpagos nas noites sozinha em alguma estrada de terra, no meio de algum capão fechado ou brejo com água pelo pescoço.


Never, never land

Early on I discovered that everything existed in the Pantanal. “Everything is said to exist in the forest. If it doesn’t exist, it has already existed”, said Sr. Anito, field helper in forests in the south of Bahia.
It is good for your health to listen carefully to advice. You will eventually find out its utility. Advice is given in a casual tone, and almost escapes you without notice. If this happens, it is bad for you.
Things are this way because certain facts that would ruffle any pale face’s hair are so usual that the natives don’t get alarmed. “Watch the onça”- You should take care. “There are piranhas in this river”- They are really there. “Only go in the water with shoes on to protect against arraias”- Wear shoes. “Take care because of bees”- Take very much care. They are more dangerous than the onças, piranhas, arraias, caymans and snakes. They are esponsible for the largest number of deaths in the Pantanal.
The fact is: we stay alive; most of us at least. During the year I have seen many of these animals. I know some of them were very close to me at moments, but I didn’t see them. Sometime, the advice came to my head, like flashes in the lonely storms in the dirty roads, when I was on a dense capão, or in a marsh with dark water up to my neck.

Glossary:


Onça: In Brazil, we call “onças” both Panthera onca (jaguar, panther) and Puma concolor (mountain lion, cougar). The first one is called “onça pintada” (spotted onça), and the second one is called “onça parda” (brownish onça).

Arraia: Sting ray. Venomous ray with large barbed spines near the base of a thin whiplike tail capable of inflicting severe wounds.

Capão: part of land with forest that points out into the flooded plain.

Cayman: reptile related to crocodiles.


David Locke edited the English version. Thank you Dave!


Comentários

Anônimo disse…
É verdade mesmo!
Me lembrei de dois acontecimentos:
o primeiro, em que atrás de suas pegadas na areia da estrada parque estavam as pegadas, simpáticas, de uma onça! Credo!. O segundo, em que eu fui picada e seguida por abelhas nos capões próximos da BEP!
Sabedoria popular é o que há!!
(pália essa rima!)

Saudades!
Beijocas!!
Anônimo disse…
Nóóóóó...
Anita, tinha mesmo que vir de ti!
Lindo cara!!!
Ao ler, várias paradas me vieram a mente, muito massa.
Parabéns!!!
Beijoquinhas e muita saudade,
Andri

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