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Mostrando postagens de 2007

Paisagem da janela

Duas ruas para baixo da minha casa, tem o bosque do Museu de História Natural, que, quando crianças, eu e o Leo chamávamos de 'Matinha'. Os antigos moradores do bairro, mesmo depois de tantos anos, ainda o chamam de Horto ou Instituto Agronômico. Antes, havia, ao lado, a favelinha - invasão do terreno da Rede Ferroviária Federal. Agora, lá passa o metrô e há muito mato, e é onde a vizinhança joga entulhos. Isso eu recordo agora porque hoje acordei com uma paisagem. Na borda da mata havia um pântano com bandos de garças, uns cabeças-secas e maguaris. Era o início da manhã. A cena era clara, a imagem sem filtros. Tinham aqueles raios que anunciam a chegada do Messias atravessando a copa das árvores, penetrando a superfície d'água. O brejo e as árvores enormes, juntinhos. O pântano na beira da mata. É domingo e a cidade amanheceu silenciosa. Sem carros, buzinas, liquidificadores ou vizinhos barulhentos. Mas um bando de quero-queros eu ouvi passando para os lados da mata. Como

O dom para fazer contato

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Aquele homem falava com os sapos. Com o pôr do sol, quando as pessoas voltam para casa, é que ele saia para campear. Ia sozinho para os matos, onde se esconde toda a bicharada bruta, mas as pessoas só conhecem a quiçaça dos espinheiros. Lá se escuta a algazarra dos anônimos. Na cabelama inútil dos sarceros, dos seres esquecidos, ele conversava com os sapos. Primeiro escutava. Depois, com voz de sapo, ele mesmo falava, fazendo distinção entre cada pessoa anura. Sabia dar os nomes para machos ou fêmeas. Sabia chamá-los e também encontrá-los. Achava as toquinhas deles, as de espuma e as cavadas na terra, e as na beira d'água. Lá, ele ouvia muitas vozes. O mundo dele tinha som ambiente, 'om'. Onde as pessoas comuns sentiriam a profunda solidão, ele se achava na grande cidade dos sapos: os muitos transeuntes, as festas, as ruas deles. Ele não estava só entre anuros, porque tinha o dom. Ele conseguiu o milagroso: descobrir o mundo exposto para a gente, que começa com o cair da no

As flores do campo

Pantanal em maio, no frio. Uns 17 graus à noite. Frio de dia também, mas com céu claro no fim da tarde. De manhã não, umas nuvens cinzentas, aquelas aves pretas que sempre voam muito alto por lá. "No frio, os bichos andam melhor", ensinou o Seu Geraldo. "É mais fácil de ver eles, onça, até sicuri. O sicuri gosta é de frio, desses brejos. Ele tem uma banha tão quente, que é capaz d'ele sair no sol e derreter". De veras, vimos um tamanduá bandeira, um veado fêmea e, à noite, um mocho orelhudo, que gritava 'u-uuuu" no alto de uma árvore, e outro respondia 'u-uuuu' do telhado. Do tamanho de um peru, esse mocho. As abelhas, que eram as que procurávamos, ficaram entocadas. Não deram as caras. No ramo dos insetos, só no fim da tarde é que apareceram umas moscas, umas borboletas e besouros, mas já fora do horário de atividade das que buscávamos. Depois do dia cinza, úmido, sem abelhas, foi bom ver o céu se abrir, ainda que sem sol, e, procurando flores

Abelhazzz!

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O Samuel, Sam, trabalhava com abelhas. As jatis e as trigonas nativas, boazinhas, que se pode até pegar com os dedos, ou colher o mel na colméia com as mãos nuas, tadinhas. E as africanizadas agressivas, que deram fama às outras abelhas de serem perigosas. Antes, eram as nativas que polinizavam as flores pantaneiras, que pegavam o pólen, o açúcar e os óleos, e fertilizavam as plantas para produzirem sementes. Depois, chegaram as africanizadas, que fazem muito mel e, por serem agressivas, devem competir com as nativas. O Sam queria estudar isso, e mais: queria saber de quais flores é feito o mel pantaneiro. Igual tem mel de laranjeira, de assa-peixe e de eucalipto, o mel pantaneiro pode ser do tarumã de flores roxas, ou do manduvi, que os tucanos tanto gostam, ou das plantas aquáticas. Para descobrir, ele fez uma gambiarra muito da engenhosa, que tinha de pregar na entrada da colméia das Apis mellifera, que são as próprias africanizadas. Bão. O Sam pediu ajuda ao Roberto para instalar s

Quando um pingo é letra

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“Um mulato e um pequeno brasileiro me acompanharam. Esse último era quase uma criança (...). Nunca vi nada igual ao seu poder de percepção. Muitos dos animais mais raros nas trilhas mais obscuras foram pegos por ele. Eu não ficaria tão bem servido se um besouro se tivesse transformado em traidor e se tornado meu ajudante, do que em ter encontrado um colaborador tão capaz (...).” Charles Darwin, em seu diário de viagem, sobre a ajuda que recebeu na coleta de besouros durante sua passagem pelo Rio de Janeiro, em 1832. Quem, se nos fosse dada a chance, não gostaria de conversar com as plantas e os bichos? Que perguntas você faria a uma árvore, se falassem a mesma língua e pudessem conversar? Pense em quantos eventos esses seres aparentemente inertes e silenciosos, que são as árvores, presenciam ao longo da vida. Quantos insetos, aves, ninhos, liquens, musgos, trepadeiras e epífitas abrigam em seu corpo? Imagine o depoimento brilhante que nos dariam sobre as horas solitárias, noites, tempe

Fotografia na parede

Quando morava no Mato Grosso do Sul, trazia uma frase comigo, como lembrança de minha terra natal, Minas Gerais: "Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!". Agora, de volta a Minas, vejo um retrato ali na parede do escritório, onde trabalho: duas baías verdes, verdes, cercadas por cordilheiras ainda mais verdes. Não são altas como as dos Andes, mas elevadas o suficiente para que as águas da cheia não afoguem as mudas de árvores. E elas ganham tempo para crescer e viram árvores de verdade, com os anos. Ou então, são cordilheiras pelos cordões de mata que formam entre baías, salinas e vazantes. Aquela trama bonita de se ver nas fotos aéreas, como o verde nas penas do pavão. A foto na parede também é aérea. Além das duas baías, vê-se um corixinho sangrando a água de uma para a outra, e que cruza um caminho de gente, feito caminho de formiga, olhado de cima - um 'trierinho' de areia branca, como diz o Seu Geraldo. Lá em baixo, a claridade é a mesma que con