Fotografia na parede

Quando morava no Mato Grosso do Sul, trazia uma frase comigo, como lembrança de minha terra natal, Minas Gerais: "Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!".

Agora, de volta a Minas, vejo um retrato ali na parede do escritório, onde trabalho: duas baías verdes, verdes, cercadas por cordilheiras ainda mais verdes. Não são altas como as dos Andes, mas elevadas o suficiente para que as águas da cheia não afoguem as mudas de árvores. E elas ganham tempo para crescer e viram árvores de verdade, com os anos. Ou então, são cordilheiras pelos cordões de mata que formam entre baías, salinas e vazantes. Aquela trama bonita de se ver nas fotos aéreas, como o verde nas penas do pavão. A foto na parede também é aérea. Além das duas baías, vê-se um corixinho sangrando a água de uma para a outra, e que cruza um caminho de gente, feito caminho de formiga, olhado de cima - um 'trierinho' de areia branca, como diz o Seu Geraldo.

Lá em baixo, a claridade é a mesma que conheci nos dias de campo. O mesmo sol amarelo, implacável. A água deve estar morna numa hora dessas. Ainda bem que tem o vento para nos alforriar, e pararmos o trabalho um pouquinho só - o tempo de tirar e recolocar o chapéu. As cigarras devem estar fazendo sua algazarra, os aranquãs também. E os príncipes-negros? Ah, estes periquitos quando arranjam de se empoleirar em alguma árvore, sai de baixo. O trierinho de gente, que atravessa o corixo na seca, segue pela borda da cordilheira até desaparecer nas areias da margem de uma das baías, a da esquerda. Eu pegaria o caminho, numa hora de vento, para descansar, e daria uma olhada onde ele sume no mato. Só uma olhadinha, para ver o que tem lá. Ver se eu achava alguma coisa interessante. Para tentar ver a onça. Quem sabe aquela seria a minha hora. Iria alisando uma mexa do cabelo, ou mexendo no lábio - dois tiques que tenho quando estou sozinha. E falando umas palavras, umas perguntas, e me respondendo, que é outra coisa que faço quando ninguém me vê nem eu vejo alguém, como que para espantar a solidão, meio pra dar coragem. Aposto que não veria a onça. Eu nunca vi ela. O mato estaria abandonado aos grilos e besouros. Mas sempre valia a pena fazer isso. Aproveitar o vento.

Agora fico vendo essa foto. O Pantanal na parede. E como dói!

Comentários

Anônimo disse…
Minêra...
Gosto d+ da conta desse seu blog !!!
Sabe, as vezes qdo estou sozinho e me boto a pensar no pantanal penso como ele é bonito mesmo (de ver e sentir) e logo fico chorôso pensando nas prospecções de que ele tende a desaparecer em menos de meio século...
Tudo é lindo
Mas só amando mesmo pra preservar !!!
Muito obrigado por disseminar a preservação da nossa planície...
A NATUREZA AGRADEÇE
Beijos amiga...
Anônimo disse…
Anita!!!!
Ler suas palavras é viajar muito, e imaginar, sentir e ver tudo pelas suas frases...
Senti o que vc sentiu...mesmo ficando pouco no Pantanal!!!
Um dia voltaremos lá!

Mil beijocas saudosas!!!!
Anônimo disse…
olá, que bacana esse seu espaço, sabe q estive recentemente no parque nacional das emas e passei a compreender um pouco melhor o cerrado... um pouquinho só, mas fiquei maravilhada, um beijo!
Olá Manoela,
Que bom que você compartilha dessa admiraão pela natureza. Sou fã do cerrado também, de todas as fitofisionomias! Ainda não estive em Emas, mas tá na lista.
Você encontrou o blog pela lista dos Escritores?
Beijo,
Ana
Unknown disse…
Oh, Ana! Lindo como sempre. De dar uma dorzinha lá no fundo, mesmo sem saber o porquê.

Mas mexer no cabelo ou morder o lábio não faz só quando tá sozinha, não.
forasteiro disse…
mato grosso do sul e minas gerais, to preso nesse trajeto tb.
Aninhaa!!!
saudades de você!!!! como sempre eu dou uma passadinha no seu blog, e arrepio cada vez que leio!!!
e continue assim, são pessoas com esse amor todo que a gente precisa pra que tudo isso não acabe...
se cuida
bjo
Este comentário foi removido pelo autor.
Ana,

de um ponto de vista mais técnico, o texto saiu muito bom: preciso, objetivo, sem deixar de revelar uma boa dose de subjetividade: a dor não vem sempre de nós mesmos?

de um ponto de vista mais afetivo, foi eficaz no dizer que algo dói: o retrato na parede, a simbolizar a saudade que se sentiu em outra época e local em contraponto com o mesmo retrato, por natureza, estático. Como pode haver duas saudades? Possível explicação em forma de pergunta: como há dois quadros em forma de um.

Beijos
JP, aguardando o novo post...

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