O Capão da Onça


Uma vez, terminei meu trabalho antes do previsto, ficando com uma manhã livre. Seu Geraldo já tinha me falado algumas vezes sobre o Capão da Onça, 'onde ela fica'. Não era muito longe da Base, dava para ir a pé. Ela mesma vivia fazendo este trajeto, tendo sido vista algumas vezes com dois filhotes sob as palafitas da Base. Era um dos muitos capões por ali, mas 'naquele a onça ia mesmo'. Levava pra lá os bichos que caçava e deixava montinhos de ossos brancos, reluzentes, de jacarés, macacos, queixadas e tal. "Você precisa ver as marcas nas árvores das garras dela, ela afia as unhas ali". Calçamos as botas de borracha, vestimos camisas de manga comprida e embrulhamos a cabeça em outra deixando apenas os olhos de fora, para escapar da fúria dos pernilongos, que com o início das cheias naquele novembro, estavam ouriçados.

Depois de 20 minutos de caminhada chegamos ao Capão. Atravessando uma faixa de capim alto que se interpunha entre o campo e a mancha de árvores que era o capão propriamente dito, adentramos numa outra faixa de acuris, umas palmeiras muito lindas e comuns no Pantanal, que geralmente circundam os capões. A paisagem ali dentro era completamente diversa de fora: a copa fechada das árvores reduzia a luminosidade, deixando passar aqui e ali réstias de luz. Não cresciam ali as ervas que abundam no campo, nem capins, e o solo era coberto apenas por folhas secas das árvores e palmeiras. De formas que o aspecto geral do interior do capão era o de uma choupana de palha, os troncos sendo as colunas, as copas das árvores como a cobertura de sapê. "Aqui não tem nenhum pernilongo, pode reparar". Era verdade. "A onça vem pra cá porque não gosta de mosquito" - disse Seu Geraldo. Realmente era uma boa escolha, porque além da ausência dos pernilongos, o ar era fresco, ao contrário do resto do Pantanal, onde cozinhávamos na umidade e no calor sob as roupas de manga comprida, porque uma panela de pressão seria mais confortável que o ataque dos mosquitos.

"Mas rapaz, cadê as ossadas?". Só encontramos uns ossos avulsos do que deve ter sido uma capivara. "Os turistas devem ter levado tudo." "O quê, os Ossos?" "É, eles gostam muito. Vamos procurar as marcas dela nas árvores." Aí sim, encontramos uma, duas, três, várias árvores arranhadas pelas onças, marcas profundas. Dava para ver a distância entre os dedos, várias patadas em diferentes direções, as marcas se cruzando, muitas a uma altura considerável, a mais de dois mestros do chão. "Como elas fazem isso?" eu pensei, imaginando uma onça em pé dando patadas no tronco, e presenciar esta cena imediatamente passou a ser o meu sonho. Quem tiver esta visão deve virar estátua de sal, será que é pecado presenciar tamanha intimidade de um animal tão misterioso?

Pude distinguir marcas de adultos das de um filhote que escalou uma árvore até os galhos superiores. Em alguns locais, as marcas eram tão recentes, que ainda encontravam-se úmidas, o miolo avermelhado das árvores exposto. "Esta aí deve ter sido feita há um dia, repara como está molhada". Chequei a copa de todas as árvores, para o caso de algum 'gatinho' estar ressonando de barriga vazia nos galhos, mas foram só marcas que vi no Capão da Onça.

Comentários

Anônimo disse…
Eu queria ver uma onça de verdade, e ainda por cima se comportando! eheheheheeh
E Seu Geraldo tb é um grande naturalista tb! Só que ele não sabe disso! ehheheheh
E, mais uma vez, adorei! Seus escritos são ótemos!! Alegra meu dia e diminui a distância entre nós!!

Super Beijocas!!
É verdade carol, Seu Geraldo´é um grande conhecedor da natureza. E é verdade também que a distância fica menor quando lembro daqueles dias no pantanal.
Beijos saudosos,
Anita.
Anônimo disse…
Gostei disso.

Eu gostaria muito de ver de perto um capão da onça, mas acho que ficaria meio apavorada, achando que ela deveria estar por perto, me dissecando como a uma capivara.

Sei não. Gosto muito de bicho e do mato, mas sou medrosa demais para ser uma exploradora. Tô mais pra Dândi mesmo.

E em BH, que bichos nós vamos ver, hein?

Bjim e inté

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