Até o átomo


Penso de novo no exercício de estranhamento (veja o post anterior) para os naturalistas do século XXI. Em um mundo demasiado conhecido, onde a ciência já dissecou seres vivos, o planeta, processos globais, onde a NatGeo, a Discovery e o Animal Planet nos mostram coisas do arco da velha no sofá das nossas casas, não há muito mais o que se conhecer. E a natureza lá fora parece entediante, muito lerda perto das tecnologias que se multiplicam em reação em cadeia.

Não é. Mas é assim que pensamos. O mundo continua tão desconhecido quanto quando os primeiros naturalistas percorreram o planeta, contando para os habitantes do Velho Mundo sobre bestas, plantas magníficas, povos de pele vermelha e vergonhas mui saradas. Acho até que o mundo proessegue ainda mais desconhecido que naquela época. A exploração da natureza também é uma reação em cadeia. Cada paisagem, cada processo e cada organismo descrito é como uma janela que se abre para uma nova viagem, um universo que se expande nos detalhes, que torna-se infinito não pela amplitude no espaço, mas por sua profundidade. Até o átomo, em profundidade. Pelas interações, para os lados. Quanto mais sabemos, mais há para descobrir.

Então volto ao exercício de estranhamento, para tirarmos os argueiros dos olhos, dos ouvidos, das sensações. Raspar as tintas da nossa forma adestrada de ver o mundo, dos vícios, da sensação entediante de já conhecermos a natureza por demais. Descobrir continentes debaixo de pedras, novos mundos em uma folha. Enxergar como um naturalista deve ter enxergado há séculos. Brincar de tirar a base do que conhecemos. Estranhar. Veja uma descrição de um gambá, o primeiro animal brasileiro descrito por um europeu, o espanhol Pedro Martyr. Ele esteve expedição comandada por Vicente Yáñez Pinzón, em que foi descoberta a foz do Amazonas em 1500, meses antes de Pedro Álvares Cabral 'descobrir' o Brasil. O animal, uma fêmea com filhotes, foi descrita como Animal monstrosum.

"Entre dichos árboles se halló un animal monstruoso, con cara de zorra, cola de cercopiteco, orejas de murciélago, manos humanas y pies de mona, que adonde quiera que va lleva sus hijos en un repliegue exterior del vientre, a modo de bolsa grande. Tu mismo viste conmigo este animal, aunque muerto, le diste vueltas y adimiraste aquella bolsa, que cual segundo vientre y recurso nuevo de la naturaleza, les permite librar a sus hijos, llevándolos consigo, de los cazadores o del ataque de los animales violentos y rapaces. Dicen que los que han tenido ocasión de observarlo, que dicho animal lleva siempre sus crías dentro de esa bolsa-vientre sin sacarlos de ella sino que para retocen o darles de mamar, hasta que aprenden a buscarse por si sí mismos el sustento. Habian capturado los nuestros al animal con sus cachorros, pero éstos pronto murieron en las naves; sobrevivióles su madre algunos meses, pero tampoco pudo al fin soportar un cambio tan grande de clima y de alimentos".

Está lá, en Decadas del Nuevo Mundo, de Martir (1964), e em O Novo Éden, um livro fabuloso lançado pelo Museu Emílio Goeldi em 2002.

Comentários

Anônimo disse…
manos humanas!!! nó.. a o bichinho ficou realmente bizarro pela descrição(e o idioma ajuda na bizarrice né?)! ajajajaja
bjs!
Pero que si. Praticamiente una quimera.
Beijo!
Anita
Anônimo disse…
Nanie,
Hj tive q ficar até 20hrs no escritorio. Seu blog não só matou meu tedio como tornou, de fato, meu dia produtivo.
Ah, muito bom te ver sexta. Mande noticias!
Love ya, girl.
Anônimo disse…
Adorei!!!
E concordo que quanto mais sabemos, menos sabemos na verdade! eheeheheh

E a descrição, realmente bizarra, mas é um bichinho muito fof's!!!!

Saudades de tu!!
Super beijocas!!

Postagens mais visitadas deste blog

De trevas e luz: os brejos

O dom para fazer contato

O Capão da Onça