Uma descrição e um exercício




Na coleção das árvores habitadas por formigas, têm também as embaúbas, de nome Cecropia pachystachya. São árvores ocas de tronco dividido por nós, os quais são perfurados pelas formigas, que podem assim trafegar livremente na imensa galeria em seu interior. Na extremidade dos galhos, próximo à inserção das folhas, as formigas fazem buracos por onde passam á superfície externa da árvore. Próximo ficam os triquílio, estruturas aveludadas na base das folhas, que produzem corpúsculos ricos em óleos e glicogênio, dos quais as formigas se alimentam.

Curiosa foi a forma da árvore cativar formigas. Para defenderem-se de animais herbívoros, era necessário que as formigas fossem carnívoras. Por isso as cecrópias desenvolveram ao longo dos tempos a capacidade de produzir corpúsculos de glicogênio, uma substância tipicamente produzida por animais. E de fato, as formigas não deixam barato para os invasores. Em experimentos colando-se cupins em cecrópias, é possível observar os ataques aos cupins realizados por até 5 formigas do gênero Azteca.

Há quem acredite que a interação entre formigas e cecrópias seja um mutualismo muito especializado, em que ambas as partes se beneficiam: as formigas, por receberem alimento e casa, e as árvores por serem patrulhadas e protegidas de herbívoros e até de trepadeiras, que seriam devidamente picotadas, deixando de competir por luz com as Cecrópias. Outros acreditam que as formigas seriam as maiores beneficiadas da relação, devido às altas taxas de herbivoria observadas nas cecrópias.

Seja lá o que for, acho curiosa esta interação. Esteticamente, inclusive. Árvores recheadas de formigas. Gosto de imaginá-las despidas de folhas, galhos, troncos, e enxergar seu oco, corpos feitos de formigas entrelaçadas, que sobem, se ramificam para o céu. Um exercício de estranhamento das coisas que vejo. É engraçado como, tirando alguma parte da coisa que vemos, ou acrescentando, ou colocando-a em outro habitat, a enxergamos melhor. Vemos não a palavra que é o seu nome, o símbolo viciado que internalizamos desde que aprendemos a enxergar o mundo. Transformar plantas em animais, animais em pedras, pedras em plantas. É um exercício de desantropocentrismo. No começo você faz o exercício. Depois começa a enxergar as coisas automaticamente com estranhamento.

Por exemplo: têm umas árvores no Pantanal que são os paratudos. Onde e eu morava antes, são chamadas de ipês, da espécie Tabebuia aurea. Lá elas crescem em formações monoespecíficas chamadas 'paratudais', que são grandes extensões cobertas por paratudos e plantas herbáceas, nenhuma outra arbórea infiltrada. Vejo estas árvores como uma multidão de corpos longilíneos, lado a lado. Um bando de árvores. Uma floresta de magrelos compridos. Sabe aquelas árvores falantes de Senhor dos Anéis, História Sem Fim, etc? Algo dessa natureza, mas sem transformá-las em gente, dando olhos, bocas, rugas. Só enxergando-as como seres menos vegetativos e muito ativos em sua quietude.

Comentários

Anônimo disse…
que lindo nanie. Mas pra mim a simbiose do besouro com a prima da vitória-régia ainda tá ganhando no quesito romance! hehehe
bjs!
Anônimo disse…
Ninha, vc tá escrevendo bem demais! Tudo muito lindo, como vc. Posso imaginar bem essas árvores de formigas-reticulares e o coro dos paratudais-cantores numa manhã de ventos pantaneiros. Parabéns, vc compôs outra harmonia pra toda essa natureza... acho que vc já conhece o caminho das flores há mais tempo... bacci
Dimi
Anônimo disse…
Lindo demais Aninha!!!
é muito bom viajar novamente pelo Pantanal com seus lindos e bem escritos dizeres...

Beijocas da foca mais saudosista do que nunca!!
Anônimo disse…
Ó Lá...
Tu hein?!
Demais, bom pra mais de metro! Vc me levou lá no Panta outra vez... Ler seus versos me faz embarcar numa viagem muito legal. Parabéns Aninha.
Bejinhos e saudades
Anônimo disse…
oi Aninha!!!!to vendo q BH faz bem p vc!!!!e vc escreve com mais saudade do pantanal!!!! fico impressionada de como vc escreve bem,e tbm como vc ja me mostrou as bolinhas de glicogenio saindo da Embauba fico toda empolgada de ler.
bjossss saudadess!!!!

Postagens mais visitadas deste blog

De trevas e luz: os brejos

O dom para fazer contato

O Capão da Onça